16 de janeiro de 2011

Pequeno Conto - Tom Interespacial

Conto meu publicado no http://reflexosespelhandoespalhandoamigos.blogspot.com/
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Tom Interespacial

“Como podemos nos entender (...), se nas palavras que digo coloco o sentido e o valor das coisas como se encontram dentro de mim; enquanto quem as escuta inevitavelmente as assume com o sentido e o valor que têm para si, do mundo que tem dentro de si?” Luigi Pirandello

O dia está cinzento. Tudo está cinza, preto ou branco e os claros e escuros dessas cores. Estou trancado com um pouco de água e comida jogadas a um canto. Meus olhos tornaram-se bebedouros para os mosquitos que por aqui passam.

Chove, para, chove. O dia insiste em continuar. Não tenho mais fome, dia comum. Sede, tenho sede. Numa das cinco paredes fica a água, no vaso metálico e sujo, água. Sempre. Dois goles no máximo, é preciso guardar para o antes. Fico em pé, apóio-me logo na parede para não cair, olho a janela. 

Espreguiço-me, não sei que horas são. Mormaço. Agora o calor se cheira. Os tons de cinza até vibram, calor terremoto. Não sei há quantos dias estou aqui, mas meu corpo começa definhar.

Ouço um barulho de motor ao longe, e vem se aproximando. Próximo. Minhas costelas escorrem. O som para. Silêncio branco. Entra uma brisa na janela sugando qualquer ruído, até mesmo o da minha respiração. Surgem outros sons. Passos, passos, agora correndo, muito perto, mais, ao lado.

Abrem a porta. 

Salvo, estou salvo. Ouço latidos: 

- Eu que o coloquei trancado no banheiro quando fomos viajar Papai, tinha medo de que ele ficasse na chuva. Mas eu deixei comida para ele e a água sempre tem na privada. Eu fui te falar mas você não me ouvia, você só estava preocupado com a viagem e sair de casa e beber e comer o que quisesse e descansar e se divertir!

Estou cansando de ouvir esses ia, eu mesmo já me conformei. Nem que ia falo mais. Desisti de conversar. Fico isolado no canto que estão me colocando, canto onde defeco, urino, durmo, choro, bebo, como, tudo sozinho. E os viajantes também agora vão aos seus, cada um em seu canto. Muros de cercas elétricas.

O dia continua cinza, aqui e ali. Raças... Peripécia do tempo. De um tronco tantos galhos diferentes, mas o mesmo e velho tronco, o mesmo e velho tom. 

Em algum chão assentado no infinito eu ouço ramos caindo, isolados, perdidos... Passaporte dos Cinzas.

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